Século XVI
Ao contrário da América Espanhola, o
Brasil do século XVI não apresentou grandes riquezas sob a forma de metais
preciosos, que só foram descobertos no final do século XVII. Na falta dos
metais, foi o açúcar que tornou viável, em termos econômicos, os primeiros
passos da colonização.
Se a terra era um fator abundante, o
mesmo não acontecia com a mão de obra e com os equipamentos necessários a
montagem de engenhos, que exigiam grandes investimentos de capitais. Os
elementos das classes trabalhadoras europeias, libertos da servidão medieval,
não querem imigrar para América como simples trabalhadores agrícolas e aqui se
defrontarem com a pensa tarefa de desbravar a mata tropical, enfrentar os
índios e um meio hostil. A mão de obra europeia assalariada era muito cara para
ser empregada em grande escala nas plantações do Novo Mundo.
A primeira solução para o problema
da mão de obra foi a escravização dos indígenas que apresentou muitas
dificuldades. Em virtude do tipo de civilização em que se encontrava, o índio
brasileiro, ligado a caça, pesca e a coleta, tinha dificuldades de adaptação ao
trabalho agrícola escravo. Além disso, a igreja Católica, desde o início da
colonização, desenvolveu uma política de cristianização, proteção e controle dos
indígenas, lutando contra essa escravização pelo os colonos.
O problema da mão de obra, no Brasil
e na América em geral, deu ensejo ao desenvolvimento de um dos mais lucrativos
negócios da história, que foi a escravidão negra. Negros aprisionados na África
passaram a ser mercadoria importante para a atividade comercial e a servir como
força produtora, primeiro na própria Europa, nas ilhas do Atlântico e depois na
América colonial.
Para ter o africano como escravo,
era necessário suprir-lhe a cultura a alma transformando-o em bicho ou coisa.
Supriam-lhe o nome tribal, impondo-lhe outro, português; proibia-lhe a religião
ancestral, forçando-o a aceitar a de Cristo. Como isso não bastasse, os brancos
escravistas completavam o serviço com pancadaria, a chibata, o açoite. A
pauleira começava desde o momento em que o negro era capturado ou comprado ao
soba (os Sobas eram chefes tribais que, com a chegada dos europeus a África, a
partir do século XV, começaram a capturar escravos negros para trocar com os
traficantes brancos, por bebidas, armas, panos e enfeites). Os escravos negros
apanhavam durante a longa viagem até o litoral; apanhavam no depósito mantido
pelos agentes (pombeiros ou tangomaos, como se chamavam); apanhavam no convés
do navio, durante a travessia do Atlântico (que durava cerca de três meses);
apanhavam no mercado, a espera dos fazendeiros compradores; e continuavam
apanhando durante toda a existência de escravos.
“Não lhe batiam por maldade, embora
isso também ocorresse. A finalidade era esvazia-lo da parte propriamente humana
que todos os homens possuem – e são homens propriamente porque a possuem. Assim
coisificado, o negro africano estava pronto para ser escravo” (Joel Rufino dos
Santos – Zumbi, ed. Moderna, 1985).
1548:
Começam a ser desembarcados no Brasil os escravos negros, vindos principalmente
dos portos de São Paulo de Luanda, Angola e Benguela.
Os escravos negros começaram a ser
desembarcados no Brasil por volta de 1548 e, nos três séculos seguintes, seriam
predominantemente do tronco linguístico banto, do qual faz parte da língua
quimbundo. Esse grupo englobava, angolas, benguelas, Moçambique, cabindas e
congos. Eram povos de pequenos reinos, com razoável domínio de técnicas
agrícolas; possuíam uma visão muito plástica e imaginosa da vida, e
demonstraram ter grande capacidade de adaptação cultural.
Não há indicações seguras de que a
capoeira se tenha desenvolvido em qualquer outra parte do mundo além do Brasil.
“A tendência dos historiadores e africanistas, tomando como
base poucos e raros documentos conhecidos, e se fixarem como sendo de Angola os
primeiros negros aqui chegados, tendo a grande maioria de nossos escravos
escoados dos portos de São Paulo de Luanda e Benguela. Ao lado disso, a gente
do povo e sobretudo os capoeiristas falam todo tempo em capoeira Angola,
especialmente quando querem distingui-la da capoeira Regional. Ora, tudo isso
seria um pressuposto para se dizer que a capoeira veio de Angola, trazida pelos
negros de Angola. Mas, mesmo que se tivesse noticia concreta da existência de
tal folguedo por aquelas bandas, ainda não seria argumento suficiente. Está
documentado e sabido por todos que os africanos uma vez livres e os que
retornaram as suas pátrias levaram muita coisa do Brasil, coisas não só
inventadas por ele aqui, como assimiladas do índio e do português. Portanto,
não se pode ser dogmático na gênese das coisas em que for constatada a presença
africana; pelo contrário, deve se andar com bastante cautela”
Waldeloir Rego – Ensaio etnográfico da capoeira Angola
1597:
Joel Rufino dos santos, em seu livro Zumbi (ed. Moderna, 1985), o episódio que
originou o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga em Alagoas, onde é hoje o
município de União dos Palmares.
“Numa noite qualquer do ano de 1597, quarenta escravos
fugiram de um engenho no sul de Pernambuco. Fato corriqueiro. Escravos fugiam o
tempo todo de todos os engenhos. O número é que parecia excessivo: quarenta de
uma vez. Foram também insólitos o que fizeram antes de optar pela fuga
coletiva: armados de foices, chuços e cacetes haviam massacrado a população
livre da fazenda. Já não poderiam se esconder nos matos e brenhas da vizinhança
– seriam caçados furiosamente até que, um por um, tivesse o destino dos amos e
feitores que haviam justiçado.
De manhã, certamente, a notícia
correria a Zona da Mata – essa formidável galeria verde que, salpicada de
canaviais, a uns dez quilometro do mar, o acompanha sem nunca perdê-lo de
vista. Tinham a liberdade e uma noite para agir.
Havia umas poucas mulheres, um que outro velho e diversas
crianças, mas o grosso eram pretos fortes, canelas finas e magníficos dentes.
Escolheram caminha na direção do sol poente, um pouco para baixo. Com duas
horas compreenderam que jamais qualquer deles havia ido tão longe naquela
terra. Mesmo os crioulos, nascidos aqui, desconheciam o pio daquelas aves,
nunca tinham visto aqueles cipós. Andaram toda a noite e a manhã seguinte;
descansaram quando o sol chegava a pino; contornaram brejos e grotões, subiram
penhascos e caminharam, um a um, na beira de feios precipícios.
Se passou ainda uma noite. Eram
observados, mas não tinham qualquer medo de índios. Então, na vigésima manhã se
sentiram seguros. De onde estavam podiam ver perfeitamente quem viesse dos
quatro cantos; com boa vista se podia mesmo vislumbrar o mar, além das lagoas.
A terra vermelho-escura, esboroava ao aperto da mão. Ouviam águas correndo
sobre pedras. E havia palmeiras, muitas palmeiras.
Por
que escravos fugiam? – A fuga era a única maneira de recuperarem a sua
humanidade – esta é a melhor resposta que conheço. ”
Século XVII
Ocorrem os primeiros movimentos
escravos de fuga e rebeldia. Citam-se (sem muito rigor) relatos sobre as
campanhas contra a quilombo de Palmares, na Serra da Barriga (ao sul de
Pernambuco, no atual Estado de Alagoas), em que se fazia referência ao modo
muito peculiar de lutar dos negros aquilombados, nos confrontos corpo-a-corpo
com os invasores brancos.
1630:
No topo da majestosa Serra da Barriga, eram já três aldeias muito bem
organizadas. Os moradores as chamavam Angola Janga, que no idioma quimbundo
significa “Angola Pequena”
1654:
Com a expulsão definitivo dos holandeses, o “grande inimigo externo”, todas as
forças da sociedade colonial brasileira se voltaram contra o temível “inimigo
de portas adentro”, os negros palmarinos. A partir de então, quase não houve um
ano em que não partisse contra eles alguma expedição, vinda de Recife, Porto
Calvo, Penedo ou Alagoas. Em geral, eram de iniciativa das autoridades, mas os
recursos partiam dos senhores de engenho.
1655:
Em algum ponto dos Palmares, nasceu livre a criatura que chamamos Zumbi. Neste
ano, um certo Brás da Rocha atacou Palmares e carregou, entre presas adultas,
um recém-nascidos. Entregou-o ao chefe de uma coluna, e este decidiu
presenteá-lo à cura de Porto Calvo. Padre Melo resolveu chamar o negrinho de
Francisco. O menino cresceu junto ao padre, que lhe ensinou português, latim e
religião. Numa noite de 1670, ao completar quinze anos, Francisco fugiu.
1670:
Zumbi, como agora se chamava o jovem Francisco, chega a Palmares, que, naquela
época, eram já dezenas de povoados, cobrindo mais de seis mil quilômetros
quadrados. Ganga Zumba, que significa “Grande chefe”, reinava sobre todos eles.
1672:
Zumbi assume o posto de chefe da aldeia mais próxima de Porto Calvo.
1677:
O comando geral do exército negro cabia já a Zumbi, promovido de simples chefe
de aldeia, após uma série de derrotas humilhantes de Ganga Zumba diante dos
soldados de Fernão Carrilho.
1678:
Ganga Zumba entra em Recife para ratificar um acordo de paz com o governo.
Zumbi, acompanhado dos chefes de mocambo descontentes, marchou contra a aldeia
de Macaco, a capital de Palmares, onde se encontrava Ganga Zumba. Este fugiu,
com pouco mais de trezentos fiéis, para Cucaú,no sul do Pernambuco, onde o
governo colonial lhe reservava terras para viver e cultivar. Entretanto, a paz
firmada entre Ganga Zumba e o governador D. Pedro de Almeida não durou dois
anos.
1680:
Ganga Zumba morre envenenado por adeptos de Zumbi que se infiltraram no Cucaú.
O Governador de Pernambuco socorreu-o tarde demais, apenas a tempo de executar
sumariamente os conspiradores João Mulato, Canhongo e Gaspar. Os sobreviventes
da triste experiência da secessão de Palmares foram reescravizados. Durante os
quinze anos seguintes, travou-se a guerra total na Zona da Mata, entre Zumbi e
o mundo dos senhores de engenho. Cada golpe provocava outro, do lado contrário.
1687:
Neste ano, Zumbi fartou-se de derrotar tropas colonialista, regulares ou não.
Invadiu São Miguel, Penedo e Alagoas. Humilhado, o mundo do açúcar resolveu
então contratar Domingos Jorge Velho, o caçador de índios, para lutar contra os
quilombos.
1693:
Foi um ano terrível: com a queda absolutista do preço do açúcar, o ouro da
colônia desapareceu quase que completamente, e a infração explodiu. A seca e a
fome, que já penalizavam o sertão, invadiram as cidades. A plebe, os
pobres-diabos que viviam imprensados entre a grande fazenda e o governo (únicas
fontes de trabalho), ficaram a pão e água. A raiva e o desespero tomaram conta
das ruas do Recife. O governo colonial, preparando-se para uma cruzada
definitiva contra o Estado quilombola, explorou então a frustação e a inveja da
plebe urbana maltrapilha e faminta: prometeu mundos e fundos a quem
participasse da expedição contra os quilombos; esvaziou os presídios,
indultando os fora-da-lei; convocou militares vadios da Bahia, da Paraíba e do
Rio Grande do Norte. A todos, a propaganda de guerra fez crer que a origem dos
males brasileiros era a pátria dos negros.
1694:
Em janeiro, uma tropa de nove mil homens se pôs lentamente em marcha, sob o
comando de Domingos Jorge Velho, em direção a serra da barriga. Só na guerra da
independência, 130 anos mais tarde, é que se viu um exército maior.
Várias tentativas foram feitas pelos invasores para
destruir a fortaleza de Palmares, todas elas fracassadas, até que, na madrugada
de 6 de fevereiro, conseguiram finalmente romper a paliçada a golpes de canhão
penetraram o reduto dos palmarinos. Em sua fúria, a multidão de índios,
mamelucos e soldados não deixaram nada de pé ou inteiro.
Na beira do abismo, do lado
ocidental da fortificação, restou uma passagem que o inimigo não teve tempo de
fechar. Por ali saiu um grupo grande de guerreiros, dispostos a recomeçarem a
guerra depois, quando se recompusessem. Quando passavam os últimos, rolaram
pedras, e os mamelucos abriram fogo sobre eles. Na confusão que se seguiu,
perto de uns duzentos guerreiros palmarinos despencarem no abismo.
Por muito tempo, acreditou-se que Zumbi, num impressionante
gesto de orgulho, precipita-se do alto da serra. Até recentemente, essa era a
lenda. “Por que se acreditou tanto tempo nessa mentira? (...) Uma coisa é
certa: a legenda do herói étnico que prefere a morte ao cativeiro fascina
nossas mentes, charme indiscutível do ‘último dos moicanos’”
Zumbi foi o último a sair, postado na retaguarda da coluna
de guerrilheiros que deixou Palmares da madrugada de 6 de fevereiro de 1694.
Escapou com vida. Depois, dividiu seus homens (cerca de mil) em bandos, e
voltou a guerrilha.
1695:
Zumbi é morto em uma emboscada. O chefe de um dos seus bandos, Antônio Soares,
fora emboscado e preso, passando a cooperar com as forças coloniais em troca da
vida e da liberdade.
Zumbi confiava em Soares, e quando este lhe meteu a faca na
barriga se preparava para um abraço. Seus olhos devem ter brilhado, então, de
estupor e desalentou. Seis guerrilheiros apenas estavam com ele naquele momento
– cinco foram mortos imediatamente pela fuzilaria que irrompeu dos matos em
volta. Zumbi, sozinho, matou um e feriu vários. Foi isso, nas brenhas da serra
dois irmãos, por volta de cinco horas da manhã de 20 de novembro de 1695.
Joel Rufino dos Santos
1696:
São descobertos os primeiros veios auríferos. Começa no Brasil a atividade da
mineração.
Século XVIII
1702:
Começa no Brasil a atividade cafeeira, com a plantação das primeiras mudas de
café por Palheta no Rio de Janeiro, no Vale do Paraíba, dirigindo-se daí para
São Paulo. No século XVII, além do açúcar e da recém-implantação da
cafeicultura e da mineração começa efetivamente com o crescimento das cidades,
a vida urbana, surgindo então outro tipo de escravidão: o escravo doméstico. A
parti daí a alforria começa a ser amplamente disseminada. A presença do negro, sua
contribuição para a civilização brasileira, torna-se marcante, não só nas
senzalas das plantações ou na mineração, mas também nas cidades, no comércio,
nos mercados e nas praças públicas.
1712:
Pela primeira vez é registrado o vocábulo Capoeira, no vocabulário Português e
Latim, de Rafael Bluteau, mas os significados do termo não se referem a luta.
Não praticamente registros sobre a
capoeira no século XVIII. É comum imaginar-se a capoeira nascendo e crescendo
no ambiente rural, mas talvez tenha sido nas cidades, onde circulava livremente
em grande número de libertos e “negros de ganho” (escravos que por conta
própria exerciam uma atividade e que ao fim do dia tinha de entregar uma
quantia prefixada ao seu proprietário), que esse processo de crescimento e transformação
foi mais expressivo.
Século XIX
1809:
Um ano após a chegada de D. João VI, criou-se a Secretaria de Polícia e foi
organizada a Guerra Real de Polícia, sendo nomeado para sua chefia o major
Nunes Vidigal, perseguidor implacável dos candomblés, das rodas de samba e
especialmente dos capoeiras “ para quem reservava um tratamento especial, uma
espécie de surras e torturas a que chamava de Ceia dos Camarões”. O major
Vidigal foi descrito como “ um homem alto, gordo, do calibre de um granadeiro, moleirão,
de fala abemolada, mas um capoeira habilidoso, de um sangue-frio e de agilidade
a toda prova, respeitado pelos mais terríveis capangas de sua época. Jogava
maravilhosamente o pau, a faca, o murro e a navalha, sendo que nos golpes de
cabeça e de pés era um todo inexcedível”.
1813:
Moraes, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra, Dicionário da
Língua Portuguesa, inclui também o vocábulo capoeira. Após insto, o termo
entrou no terreno da polêmica e da investigação etimológica, envolvendo nomes
como os de José de Alencar, Beaurepaire Rohan e Macedo Soares.
1821:
Em carta dirigida ao ministro da Guerra, a Comissão Militar do Rio de Janeiro
reclamava dos “negros capoeiras, presos pelas escolas militares, em desordens”,
e reconhecida “a necessidade urgente de serem eles castigados pública e
peremptoriamente...”.
1828:
Vez por outra, os capoeiras, frequentemente chamados de frequentemente chamados
de desordeiros, assumiam o papel de heróis, como aconteceu no caso da revolta
dos batalhões mercenários (irlandeses e alemães), que abandonaram seus quartéis
(no Campo de Santana, São Cristóvão e Praia Vermelha) e promoveram uma
carnificina, matando e saqueando. Conta J. N. Pereira que os “sublevados foram
atacados por magotes de pretos denominados capoeiras, travando com eles
combates mortais.
1830:
O alemão Rugendas, no livro Voyage pittoresque et Historique dans le Brésil,
retrata pela primeira vez o jogo de capoeira, em sua gravura: Jogar capoeira ou
Dance de la guerre.
“Os negros têm ainda um outro folguedo guerreiro, muito
mais violento, a capoeira: dois campeões se precipitam um contra o outro,
procurando dar com a cabeça no peito do adversário que deseja derrubar.
Evita-se o ataque com saltos de lado e paradas igualmente hábeis; mas,
lançando-se um contra o outro mais ou menos como bodes, acontece-lhes chocarem
cabeça contra cabeça, o que faz com que a brincadeira não rara degenere em
briga e que as facas entrem em jogo, ensanguentando-a.”
1850:
Data da abolição do tráfico negreiro, com a publicação da lei Eusébio de
Queirós.
1880:
Surgem várias sociedades antiescravistas, unificadas em 1883 pela liderança
Nacional da Confederação Abolicionista. Algumas sociedades, como a dos Caifazes
de Antônio Bento, propunham-se a realizar ações violentas: surrar capitães do
mato, promover fugas das fazendas, criar quilombos. Os argumentos dos
abolicionistas eram variados e incontestáveis, deixando bem claro que a
escravidão era um entrave ao desenvolvimento do país, pois impedia o
crescimento do mercado, a evolução das técnicas, corrompiam o trabalho, a moral
e a família.
1886:
Plácido de Abreu Morais publica o romance Os Capoeiras, que focaliza os rituais
inerentes a capoeiragem no Rio de Janeiro. No preâmbulo do romance, o autor
transcreve um vocabulário de gíria que vigorava naquele tempo.
1888:
Abolição da Escravatura. Ex-escravos capoeiristas, não encontrando lugar na
sociedade, caíram na marginalidade, levando consigo a capoeira. Na verdade, o
período de marginalidade da capoeira começou muito antes, com a nomeação em
1809 do major Vidigal para a Guarda Real da Polícia, e paralelamente aos
primeiros decretos (1814) que proibiam de um modo geral as manifestações
negras.
Instituída a Guarda Negra,
arregimentada secretamente pelo o Visconde de Ouro Preto, composta quase toda
de capoeiras ou navalhistas e caceteiros, ao soldo do governo.
1889:
Proclamação da República, a 15 de novembro.
1890:
Entra em vigor o Código Penal da República, que coloca a capoeira na
ilegalidade. Doravante, “Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de
agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação de capoeiragem”
acarretava pena de reclusão de dois a seis meses, constituindo circunstancia agravante
pertencer a alguma malta ou bando; “aos chefes ou cabeças”, e pena seria
imposta em dobro. Os reincidentes poderiam ter pena de até três anos; se fosse
estrangeiro o capoeira, seria deportado a pois cumprir pena.
1897:
O general Couto de Magalhães, ilustre etnógrafo brasileiro, diz referindo-se a
capoeira: “Este modo de lutar é também aborígene, e longe de ser perseguido,
como é, devia ser dominado, regularizada em nossas escolas militares porque um
bom capoeira é um homem é que vale a dez homens...Somos, não europeus ou
africanos, e sim americanos, pelo sangue, inteligência, moralidade, língua,
superstições, alimento, dança e lutas físicas”.
Século XX
1910:
Revolta da Chibata, motim negro ocorrido em quatro navios, na Baía de
Guanabara, Rio de Janeiro, contra o suplício e a tortura ainda existentes na
Armada, vestígios da modalidade oligárquica escravista.
Em Salvador, desde a década de 1910,
ocorre a criação de “escolas de capoeira”, evidentemente clandestinas. No Rio,
na mesma época, os capoeiristas cariocas também possuíam espaços reservados aos
treinamentos da luta, alguns deles frequentados inclusive pela fina flor da
elite.
1912:
Chega a “hora final” para as maltas do Recife, coincidindo o nascimento do
frevo; o passo, que é a movimentação do frevo, é filho da capoeira; como nos
conta Edison Carneiro (Cadernos do Folclore, 1971):
“A
hora final chegou para as maltas do Recife mais ou menos em 1912 coincidindo
com o nascimento do Frevo, legado da capoeira (melhor diria ‘o passo’, que é a
dança; é a música que o acompanha). As bandas rivais do Quarto Batalhão e da
Espanha (Guarda Nacional) desfilavam no carnaval pernambucano protegidas pela
agilidade, pela valentia, pelos cacetes e pelas facas dos façanhudos capoeiras
que aos saracoteios desafiavam os inimigos: ‘Cresceu, caiu, partiu, morreram! ’
A polícia foi acabando paulatinamente com os moleques de banda de música e com
sus líderes, Nicolau do Poço, João de Totó, Jovino dos Coelhos, e até o maior
deles, Nascimento Grande”.
Entre 1920 e 1927: sob a administração do temido delegado
de polícia Pedro de Azevedo Gordilho, lembrado pela memória popular da capoeira
e do candomblé baiano como “Pedrito”, intensificou-se a perseguição aos
capoeiras da Bahia. Além do toque de berimbau chamado Cavalaria que, ao simular
o tropel dos cavalos, denunciava a aproximação do conhecido Esquadrão de
Cavalaria de Polícia, a memória dessa perseguição está presente ainda hoje na
seguinte cantiga, coletada por Waldeloir Rego:
“Toca o pandeiro,
Sacuda o caxixi
Anda depressa
Qui Pedrito
Vem aí”
As primeiras décadas do século XX
marcam o ápice da perseguição policial movida contra os capoeiristas da Bahia.
Quando Manoel dos Reis Machado (o mestre Bimba) começou a aprender capoeira, na
Estrava das Boiadas, bairro da Liberdade, em Salvador, a capoeira, ainda
enfrentava acirrada perseguição, conforme contava o próprio Bimba:
“Naquele tempo, capoeira era coisa
para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui
um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão
danado. Imagine só, que um doa castigos que davam a capoeiristas que fossem
presos brigando era amarrar um dos punhos rabo de um cavalo e outro em cavalo
paralelo. Os dois cavalos eram soltos e postos a correr em disparada até o
quartel. Comentavam até, por brincadeira, que era melhor brigar perto do
quartel, pois houve muitos casos de morte. O indivíduo não aguentava ser
arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o
quartel de polícia”.
Foi nesta época que ocorreu o grande
salto na história da capoeira. Insatisfeito como preconceito e a marginalização
que a envolviam, mestre Bimba decidiu criar uma variação de capoeira, e a
chamou de Luta Regional Baiana. Preocupado com a eficiência combativa da nossa
arte-luta que, segundo ele, vinha sendo dissipada e perdida pela ação do
turismo (os capoeiristas envolviam-se muito aquela época com apresentações para
turistas, e a capoeira foi se transformando em show de acrobacia e
mandingagens, afastando-se de seu sentido regional), Mestre Bimba, preservava a
movimentação regional e os antigos rituais, introduziu modificações baseadas em
golpes de jiu-jitsu, da luta greco-romana, do boxe e principalmente do batuque
(luta de origem africana muito praticada na Bahia). Como conta o Ten. Esdras
Magalhães dos Santos (Mestre Damião), discípulo de Bimba e precursor da
capoeira paulista:
“Na criação da luta Regional houve a colaboração de
Cisnando Lima, cearense ‘arretado’, profundo conhecedor de jiu-jitsu, boxe,
luta greco-romana (...). Cisnando transmitiu a Bimba os seus conhecimentos, aos
quais o Mestre associou golpes do batuque para elaboração da nova modalidade
esportiva.
Decânio (Mestre Decânio, o mais
idoso aluno vivo do Mestre Bimba) acentua, no entanto, que apesar de Cisnando
apresentar os golpes e contragolpes daquela luta, a decisão final da
convivência ou não da inclusão dos mesmos na Luta Regional Baiana sempre foi do
Mestre”.
As inovações de Mestre Bimba, ainda
que tenham atingido os objetivos a que se propunham, isto é, conferir maior
eficiência combativa a nossa arte-luta, e promover o seu reconhecimento social,
geraram grande polemica no seio da comunidade capoeirista; muitos encaram-nas
injustamente como uma descaracterização das tradições da capoeira. O debate
dura até hoje, exibindo posições variadas. Parece-nos que a tensão gerada entre
duas “modalidades” de capoeira é salutar: devemos, sim, preservar sempre as
tradições, sem, no entanto, nos fecharmos às inovações que representam real
evolução.
1932:
Mestre Bimba funda, em Salvador, no Engenho Velho de Brotas, a primeira
academia de capoeira registrada oficialmente, com o nome de “Centro de Cultura
Física e Capoeira Regional da Bahia”.
1937: Mestre Bimba (Manuel dos Reis Machado,
1900-1974), um dos “heróis culturais” da capoeira brasileira, consegue licença
oficial que o autoriza a ensina-la no seu “Centro de Cultura Física e Capoeira
Regional”, num período em que o Brasil caminhava para o pleno regime de força e
que as leis penais consideravam os capoeiristas como delinquentes perigosos.
Qualificando o ensino de sua capoeira como ensino de educação física, a então
Secretaria da Educação, Saúde e Assistência Pública expediu certificado de
registro à academia de capoeira de Mestre Bimba, a primeira do gênero, a 9 de
julho de 1937. A partir daí a capoeira sairia das ruas e passaria a ser
praticada no interior das “academias”, como ficariam conhecidas as escolas de
capoeira.
1939: Mestre
Bimba começou a ensinar Capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficinas
da Reserva (CPOR) de Salvador, no forte do barbalho, onde trabalhou por três
anos.
1941:
Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) funda também sua academia, o
“Centro Esportivo de Capoeira Angola”, hoje localizada ao Largo do Pelourinho
n° 19, e dirigida por Mestre Curió, seu discípulo. Naquele tempo, como ainda
hoje, a capoeira era ensinada como nas outras academias de capoeira angola,
isto é, por via oral, à exceção da academia de Mestre Bimba.
1948:
No mês de dezembro, desembarcam em São Paulo os pioneiros da capoeira neste
Estado, Esdras Magalhães dos santos (Damião), Manoel Garrido Rodeiro (Garrido)
e Fernando Rodrigues Perez (o respeitado Perez da capoeira baiana), formados e
especializados pelo Mestre Bimba no Centro de Cultura Física e Luta Regional,
do Maciel de Cima (em Salvador). Vieram preparar a vinda do “Rei da Capoeira” à
terra paulista, para mostrar aqui a luta genuína brasileira. Logo depois, ainda
em dezembro, chegou em São Paulo o próprio Bimba, acompanhado de seus alunos
Brasilino, Clarindo, Adib, Jurandir, e Edevaldo, que se juntaram aos três
primeiros. Ralf Zumbano intermediou os entendimentos com seu tio, o argentino
(naturalizado brasileiro) Kid Jofre, pai do “Galo de Ouro”, Eder Jofre, este
campeão mundial de boxe em duas categorias (dos galos e dos penas), para que os
capoeiras começassem a treinar em sua academia d boxe.
Os “meninos de Bimba” fizeram duas
apresentações em fevereiro e duas em março de 1949, disputando noitadas de
vale-tudo com os melhores lutadores paulistas da modalidade: Duro, Menezes,
Godofredo, Evaldo, Cabrera, Flávio, Canuto, Arapuã e Nagashima (jiu-jitsu). Em
seguida participaram de temporada no Rio de Janeiro, enfrentando lutadores
locais m combate “pra valer”. As apresentações, tanto em São Paulo quanto no
Rio de Janeiro, tiveram um sucesso estrondoso.
1950:
No segundo semestre, o atual Mestre Damião (Esdras Magalhães dos Santos)
retornou à capital paulista, para fazer o curso de sargentos especialistas da
Aeronáutica, no Campo de Marte. Durante dois anos (1950/51) ele deu aulas de
capoeira para cerca de cinquenta alunos, na academia de Kid Jofre. Os primeiros
foram Renato Bacelar (advogado) Martinho Luthero dos santos (professor, irmão
de Damião) e seus amigos Walter Grossman, Hamilton e Waldemar.
1953:
Mestre Bimba e seus alunos exibem-se, no Palácio do Governo, em Salvador, a
convite do então governador da Bahia, Juracy Magalhães, na presença do
Presidente da República, Getúlio Vargas, que teria dito, na ocasião: “A
Capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”. A partir daí a capoeira
passou a ser mais valorizada e a ter acesso a exibição em clubes, escolas,
teatros, começando a ganhar apoio dos políticos, intelectuais, artistas e do
povo em geral. Porém, o capoeira, como indivíduo, continuou sendo vítima dos
preconceitos da sociedade. O preconceito só começou a desaparecer a partir da
década de 60, quando a capoeira começou a trilhar novos caminhos.
1955:
Realização da primeira apresentação de Capoeira pela televisão; apresentaram-se
os dois irmãos – Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião) e seu discípulo,
Matinho Luthero dos Santos, na TV Tupi (Canal 4), dos Diários Associados, em
entrevista conduzida pelo jornalista José Carlos de Morais, conhecido como
“Tico-Tico”.
1957:
A partir de maio, na mesma academia de Kid Jofre, o jornalista Augusto Mário
Ferreira, recém-formado por Mestre Bimba (que lhe deu o apelido de Guga), deu
continuidade ao curso iniciado por Mestre Damião, até 1959, auxiliado pelo
professor Martinho Luthero dos Santos. Prepararam um grupo de quase vinte
praticantes, que não chegaram à formatura em razão apenas da impossibilidade
material de trazer Mestre Bimba mais uma vez a São Paulo. O curso dissolveu-se.
No final da década de 50, José de
Freitas, capoeirista de Alagoinha/BA, chega à capital paulista, e começa um
curso numa academia de lutas do bairro do Brás. Pouco tempo depois, um alfaiate
carioca, autointitulado Mestre Valdemar Paulista (não confundir com o homônimo
de Salvador), ou Valdemar Angoleiro, auxiliado por seu irmão, Durvaltércio
Alves dos Santos (conhecido depois como Mestre Bolinha), abriu a primeira
academia de fato, num casarão decadente da Rua Bela Cintra (hoje demolido).
1966:
Chegam a São Paulo Reinaldo Ramos Suassuna, baiano de Itabuna (Celeiro de
Bambas) e Antônio Cardoso Andrade, também baiano de Alagoinhas. Aqui, fizeram
amizade com Dejamir Pinatti, paulista de Orlândia. Este último cedeu uma área
coberta nos fundos de sua residência, na Vila Mariana para que Suassuna e
Brasília começassem a ensina capoeira. Nasceu ali a primeira academia de São
Paulo registrada em cartório, a Academia de Capoeira Regional de Elite de São
Paulo (ACRESP).
1967:
O jornalista Augusto Mário Ferreira (Guga) patrocinou a abertura do centro de
capoeira Ilha de Maré, na rua Augusta, colocando ali um instrutor Paulo Gomes
da Cruz, capoeirista baiano, que aprendera a jogar com Mestre Artur Emídio, no
Rio de Janeiro.
No mesmo ano, o professor Martinho
Luthero dos Santos vai a São José dos Campos para visitar seu irmão Esdras
(Mestre Damião) e informa-lhe, “cheio de uma euforia sem precedentes”, que a
capoeira começava a proliferar em São Paulo mediante a instalação de academias.
Destacou com grande entusiasmo o nome da Academia Cordão de Ouro, de Mestre
Suassuna (Suassuna e Brasília já haviam fundado a Associação de Capoeira Cordão
de Ouro e mantinham a academia num velho casarão da Avenida Angélica).
Anunciava-se ali uma parceria que alastra a capoeira por todo o Estado de São
Paulo.
1968:
Os Mestres Suassuna e Brasília transferem sua academia para a Rua das
Palmeiras; inicia-se ali a fase conhecida como a do “Consulado Nordestino”.
Mestres e praticantes vindos principalmente da Bahia são ali recebidos,
hospedados e auxiliados (as vezes até financeiramente) pelo Mestre Suassuna.
Realizam-se as mais espetaculares rodas de capoeira de que se tem notícia em
São Paulo.
1973:
Foi preciso esperar até 1973 para que as autoridades reconhecessem finalmente a
capoeira como atividade desportiva e traço vigoroso do complexo cultural que
contribuiu para a nossa formação. Desde então, com sua progressiva
institucionalização, vem a capoeira se desenvolvendo de forma irrefreável,
elevando o seu nível técnico, revelando sua enorme vocação social, como
instrumento de educação para a cidadania, na inserção de crianças carentes e
marginalizadas, na reabilitação de deficientes físicos e mentais, em programas
de atividades para terceira idade, nos clubes, nas escolas de 1º, 2º e 3º
graus, em programas de fisioterapia e até psicoterapias, no treinamento e
preparação de atletas de outras modalidades esportivas e etc...
1993:
Por influência de intelectuais e capoeiristas, foi efetivada a criação da
Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA), que funciona hoje no casarão
amarelo da Rua Gregório de Mattos, no Centro Histórico de Salvador-BA. Teve
como primeiro presidente Mestre João Pequeno de Pastinha, e da primeira
diretoria faziam parte também Mestre Moraes, Cobrinha Mansa, Jogo de Dentro e
Barba Branca.
2000:
A capoeira começa a ser divulgada na Internet. Em maio, estreia o site http://www.capoeiradobrasil.com.br, com
uma proposta abrangente, de dedicar-se não apenas a um grupo em particular, mas
na capoeira em geral.
REFERENCIAS
Waldeloir Rego, Ensaio etnográfico da capoeira Angola
Joel Rufino dos santos, Zumbi ed. Moderna, 1985
Rugendas, Voyage pittoresque et Historique dans le Brésil,
Edison Carneiro, Cadernos do Folclore, 1971
Ten. Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião), discípulo de Bimba e precursor da
capoeira paulista.
Observação:
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